Read Aloud the Text Content
This audio was created by Woord's Text to Speech service by content creators from all around the world.
Text Content or SSML code:
A forma como o sujeito interage com os objetos de conhecimento influencia as possibilidades que o mesmo tem de produzir uma aprendizagem mais ampla, efetiva e substancial. Não obstante, a educação básica e a educação superior têm apresentado um padrão de déficits de desempenho e problemas de compreensão, indicando a necessidade de intervenções no campo da interação sujeito-objeto. O campo de estudo das abordagens de aprendizagem investiga especificamente essas interações e, por consequência, tem contribuído para reflexões acerca do papel da escola no desenvolvimento da capacidade de aprender do estudante. Evidentemente, a forma como o aluno interage com os objetos de conhecimento é influenciada por uma diversidade de fatores. Entre elas estão a capacidade metacognitiva e de processamento das informações, a motivação, o contexto de ensino-aprendizagem, o ambiente familiar e social dos alunos, os objetivos e métodos de ensino, entre outros. Nesse sentido, o estudo das abordagens deve ser articulado gradativamente a investigações capazes de englobar uma diversidade de preditores. Do ponto de vista teórico faz sentido que as abordagens expliquem parte do desempenho escolar dos estudantes, na medida em que as abordagens explicitam as formas de interação entre sujeito e objetos de conhecimento. Do ponto de vista empírico, há evidências de que a abordagem profunda, ou ativa, se correlaciona positivamente ao desempenho acadêmico. Conforme argumentado sobre as implicações práticas do estudo das abordagens, a identificação de perfis de abordagens dos estudantes auxilia na identificação e prevenção de problemas de aprendizagem e fornece conhecimentos que podem ajudar a promover intervenções educacionais capazes de ampliar a capacidade de aprender dos alunos. Os estudos sobre abordagens de aprendizagem são influenciados por teorias construtivistas e do processamento da informação e valorizam processos de ensino e aprendizagem que envolvem a participação ativa do estudante na seleção, interpretação e aplicação do conhecimento, possibilitando um aprendizado mais profundo. O campo de estudo das abordagens de aprendizagem tem se desenvolvido de forma significativa. Uma série de pesquisas tem apontado a existência de duas abordagens consistentes, a abordagem profunda e a abordagem superficial, demarcando uma interação ativa e profunda com os objetos de conhecimento, no primeiro caso, e passiva e superficial, no segundo caso. Na tentativa de identificação empírica das abordagens de aprendizado, várias baterias foram elaboradas. Dentre elas pode-se citar o Learning Process Questionnaire, o Study Process Questionnaire, e suas versões reformuladas, o R-SPQ-2F (The Revised Two – Factor Study Process Questionnaire) e o RLPQ2F (The Revised Two – Factor Learning Process Questionnaire), de Biggs e colaboradores. Pode-se também pontuar, entre outras baterias, o Approaches to Study Inventory, de Entwistle e Ramsden, a Escala de Avaliação de Processos de Estudo, e a versão em português do Study Process Questionnaire, denominada Questionário de Processos de Aprendizagem. Questão de Investigação - Apesar do elevado número de pesquisas a respeito da validade e confiabilidade dos construtos das abordagens profunda e superficial em diversas amostras, de diferentes nacionalidades, realidades socioculturais e etnias, há uma menor tradição de estudos que delineiam grupos ou perfis de estudantes e suas implicações para a interação sujeito-objeto. A investigação de perfis de estudante pode trazer ao campo de estudos de abordagens novas evidências a respeito das relações existentes entre a AP e a AS, assim como subsidiar importantes informações para a elaboração de uma teoria de desenvolvimento das abordagens. Considerando as abordagens profunda e superficial, define-se neste estudo a presença de quatro perfis distintos de estudantes quanto a interação sujeitoobjeto, denominados de profundos, superficiais, estratégicos e não estratégicos. Os estudantes profundos possuem alta AP e baixa AS, enquanto seus opostos, os estudantes superficiais apresentam baixa AP e alta AS. Os estudantes estratégicos possuem alta AP e alta AS, enquanto seus opostos, os estudantes não estratégicos possuem baixa AP e baixa AS. Do ponto de vista teórico, a denominação dos estudantes profundos e superficiais se sustenta na própria teoria das abordagens superficial e profunda. Pessoas com características fortes na abordagem superficial ou características fortes na abordagem profunda apresentam uma intensa presença de estratégias e motivações em sua abordagem de destaque, assim como apresentam poucas estratégias e motivações na abordagem oposta. Já a denominação dos estudantes estratégicos e não estratégicos se sustenta na definição de abordagem estratégica de Biggs . Enquanto a AP e AS definem duas maneiras do estudante lidar com o conhecimento, a abordagem estratégica (AE) se caracteriza pela capacidade do aluno em transitar entre essas duas abordagens, visando obter uma boa nota escolar. O aluno funciona a partir da AS quando a atividade escolar requer apenas memorização e reprodução da informação. Quando a atividade demanda formação de relações, interpretação de elementos implícitos, dentre outros fatores, o aluno funciona a partir da AP. Segundo Biggs, a AE ocorre em função da regulação da conduta voltada a atingir a maximização do desempenho escolar. Isso indica que muito provavelmente o tipo de abordagem depende fortemente do tipo de tarefa exigida na escola. O desenvolvimento das pesquisas a respeito da validade dos construtos levou os pesquisadores do campo das abordagens a considerarem que a AE não é uma abordagem específica, como acreditava inicialmente Biggs, mas um intercâmbio entre a AP e a AS para a maximização do desempenho. Wong, Lin e Watkins realizaram um estudo transcultural confirmatório com amostras de diversos países e verificaram que apenas o modelo das abordagens superficial e profunda pode ser considerado robusto. Dessa forma, a abordagem estratégica tem sido investigada atualmente através da relação entre AP e AS e não como uma abordagem específica e diferente de AP e AS. Em função dos avanços da literatura da área, os estudantes com alta performance em AP e AS, concomitante, são considerados neste estudo como estratégicos. Eles tanto relatam apresentar destacadas motivações e estratégias profundas como fortes motivações e estratégias superficiais, de modo a indicar uma possível abordagem estratégica. Seu pólo oposto, estudantes com baixa performance em AP e AS são designados como não estratégicos. Apresentando a proposta de classificação dos estudantes em quatro perfis distintos, este estudo pretende verificar se os diferentes grupos possuem diferenças quanto ao desempenho escolar, uma medida indireta da qualidade da interação sujeito-objeto de conhecimento. Implicações são discutidas a respeito dos resultados encontrados para o campo da teoria em abordagens. Fizeram parte da amostra 679 alunos da sexta série do ensino fundamental a terceira série do ensino médio de uma instituição particular de Belo Horizonte, Minas Gerais. Os dados foram obtidos em 2008. Nesse período, 52,00% dos participantes eram do gênero feminino e sua idade variava entre 8 e 18 anos (m=13,73 e dp=2,10). A quantidade de participantes por série foi equilibrada, variando entre 13,10% (sexta série do ensino fundamental e terceira série do ensino médio) e 16,90% (nona série do ensino fundamental). A Escala de Abordagens de Aprendizagem foi elaborada no ano de 2007 pelo autor deste artigo e colaboradores. Os itens da escala foram construídos levando-se em consideração a AS e a AP. A EABAP é uma escala de autorrelato formada por 17 itens. Cada item possui um enunciado que remete a um comportamento do estudante frente à aprendizagem. O aluno julga o quanto do comportamento descrito está presente em sua vida, utilizando uma escala do tipo-Likert que varia de (1) nem um pouco até (5) totalmente. Os itens da EABAP, em geral, articulam uma relação intrínseca entre motivação e estratégia. Os enunciados, majoritariamente, designam tanto estratégias quanto motivações para aprender. Em função do foco motivacional ou estratégico, pode-se classificar os itens como: motivação superficial, motivação profunda; estratégia superficial, estratégia profunda. Ela pode ser aplicada individual ou coletivamente e não possui limite de tempo, apesar de não demandar mais de 15 minutos para sua realização. Coleta e análise de dados A aplicação do instrumento foi realizada no início de 2008, em 19 turmas de uma escola particular de Belo Horizonte, sendo treze do ensino fundamental e seis do ensino médio. A EABAP foi aplicada de forma coletiva, e sempre por psicólogos ou estudantes de psicologia devidamente treinados. Foram tomados todos os cuidados éticos em relação aos participantes e a pesquisa contou com a aprovação de Comitê de Ética. Para comparar os diferentes perfis foram analisados os escores fatoriais de cada estudante na abordagem profunda e na abordagem superficial. A obtenção desses escores e seu processo metodológico foram realizados em um estudo anterior de Gomes e colaboradores (no prelo). Os quatro grupos foram obtidos através do método k-means de classificação por clusters. Foram definidos quatro grupos. A comparação entre os escores dos quatro perfis na abordagem profunda e na abordagem superficial foi feita através da ANOVA. As disciplinas selecionadas para a análise da proficiência escolar dos estudantes foram matemática, português, geografia e história. A escolha por essas disciplinas se deveu ao fato de que elas aparecem em todas as séries estudadas, diferentemente de ciências, física, química, biologia, religião, inglês, entre outras. Foram utilizados como dados as notas anuais dos estudantes nas quatro matérias descritas.