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§1. A PRIMEIRA FASE: A PREPARAÇÃO REFLEXA. – A reprodução de um modelo parece implicar um elemento de aquisição em função da experiência; identicamente, a imitação parece dever ser excluída, de certo modo por definição, do nível dos reflexos puros. Mas tantos espíritos esclarecidos acreditaram numa hereditariedade da imitação (como técnica e não apenas como tendência) que vale a pena examinar a questão. Partamos unicamente dos fatos que pudemos recolher, a tal respeito, da observação dos nossos próprios filhos:3 Obs. 1. – T., desde a noite seguinte ao seu nascimento, é despertado pelos recém-nascidos seus vizinhos no berçário e põe-se a chorar em coro com eles. Aos 0;0 (3), encontra-se num estado de sonolência, sem dormir propriamente, quando um dos outros bebês começa gritando; não tarda que ele chore também. Aos 0;0 (4) e 0;0 (6), geme primeiro e, depois, chora realmente quando eu tento imitar os seus vagidos entrecortados. Um simples assobio ou quaisquer outros gritos não despertam, em contrapartida, reação alguma. Podem-se interpretar essas observações banais de duas maneiras, embora nenhuma delas nos pareça autorizar ainda a falarmos de imitação. Em primeiro lugar, é possível que o choro dos seus vizinhos desperte simplesmente o recém- nascido e o excite desagradavelmente, sem que ele estabeleça uma relação entre os sons ouvidos e os seus próprios, ao passo que um assobio ou um grito o deixam indiferente. Porém, pode ser também que o choro se engendre pela sua própria repetição, graças a uma espécie de “exercício reflexo” análogo ao que notamos a propósito da sucção,4 mas com reforço da fonação por intermédio do ouvido (da audição dos sons emitidos em virtude dessa mesma fonação). Nesse segundo caso, os gritos dos outros bebês reforçariam o reflexo vocal por confusão com os sons próprios. Num caso e no outro, vê-se que não há imitação, portanto, mas simples deflagrar do reflexo por um excitante externo. Acontece que, se os mecanismos reflexos não engendram, assim, imitação alguma, o seu funcionamento implica, entretanto, certos processos que tornarão possível a imitação no decurso das fases seguintes. Na medida em que o reflexo conduz a repetições, as quais perduram além da excitação inicial (cf. a sucção em seco etc.), é porque se exerce por assimilação funcional, e esse exercício, sem constituir ainda uma aquisição em função da experiência exterior, torna-la-á possível com os primeiros condicionamentos. A transição opera-se de um modo tão insensível que é muito difícil saber, no caso da obs. 1, se se trata de um início de condicionamento ou não. Mas, se a segunda das duas interpretações for a boa, quer dizer, se o choro escutado reforçar o choro próprio por confusão ou indiferenciação, então vê-se despontar o momento em que o exercício reflexo dará lugar a uma assimilação reprodutora por incorporação de elementos exteriores ao próprio esquema reflexo: nesse caso, as primeiras imitações serão possíveis. §2. A SEGUNDA FASE: IMITAÇÃO ESPORÁDICA. – A segunda fase é caracterizada, precisamente, pelo fato de os esquemas reflexos começarem assimilando certos elementos exteriores e ampliando-se, assim, em função de uma experiência propriamente adquirida, na forma de reações circulares “diferenciadas”. Por exemplo, no domínio da sucção, o esquema reflexo enriquece-se de novos gestos, como o de introduzir sistematicamente o polegar na boca. O mesmo acontece quando os gritos reflexos se diferenciam em vagidos ou em vocalizações reproduzidas com o mero intuito de exercê-las, quando a visão se prolonga em acomodação aos movimentos do objeto, e assim por diante. Ora, é na exata medida em que os esquemas incorporam elementos novos que a acomodação a esses elementos é suscetível de prolongar-se em imitação, desde que os modelos propostos lhes sejam idênticos; com efeito, a acomodação aos novos dados evolui paralelamente, durante essa segunda fase, à possibilidade de reencontrá-los por assimilação reprodutora. Assim é que, na medida em que a criança acomoda o seu ouvido e a sua fonação a um novo som que diferencia os seus vagidos, ela passa a ser capaz de reproduzi-los por reações circulares. Logo, bastará que o sujeito ouça o som em questão, mesmo no caso de não ter sido ele quem acabou de o emitir, para que o som ouvido seja assimilado ao esquema correspondente e a acomodação do esquema a esse dado se prolongue em imitação. Portanto, duas condições são necessárias para que surja a imitação: que os esquemas sejam suscetíveis de diferenciação na presença dos dados da experiência e que o modelo seja percebido pela criança como análogo aos resultados a que ela própria chegou; logo, que esse modelo seja assimilado a um esquema circular já adquirido. Essas duas condições são preenchidas, no caso da fonação, a partir, especialmente, do segundo mês: Obs. 2 – T., ao 0;1 (4), está desperto e olha diante dele, imóvel e silencioso. Então, por três vezes, o choro de L. (4 anos) provoca o seu. Tal reação parece bem distinta das da obs. 1: com efeito, assim que L. deixa de chorar, T. também para; parece, pois, haver um nítido contágio e não apenas o desencadear de um reflexo mediante um excitante adequado. Ao 0;1 (9), T. sustenta pela primeira vez, por reação circular, uma série de gemidos de lamúria que, em geral, precedem o choro rasgado. Então imito-o, a partir do momento em que os gemidos se convertem em pranto: T. deixa de chorar para reverter ao som anterior.5 Ao 0;1 (22), produz espontaneamente certos sons, tais como ô, ê etc. Ora, ele parece redobrar, com ou sem sorriso, quando se reproduz tais sons diante dele, logo depois de tê-los emitido ele próprio. A mesma observação ao 0;1 (23) e 0;1 (30). Aos 0;2 (11), depois de ele ter feito lá, lé etc., eu reproduzo esses sons. T. recomeça então, sete vezes em nove, longa e nitidamente. No mesmo dia, reproduzo os sons que lhe são habituais, sem que ele próprio tivesse vocalizado som algum há mais de meia hora; T. sorri silenciosamente, depois começa chilreando e para de sorrir. Não reproduz cada som por si mesmo, mas emite os sons sob a influência da minha voz, quando me cinjo àqueles que lhe são conhecidos. Aos 0;2 (14), escuta imperturbável a vozearia de meia dúzia de meninas. Mas, quando produzo alguns sons que recordam os dele, T. põe-se imediatamente a palrar. Aos 0;2 (17), imita-me assim que articulo sons idênticos aos seus (como arr) ou mesmo quando as minhas entonações lhe recordam as suas. Também me imita quando não palrou imediatamente antes: começa então por sorrir, depois faz um esforço com a boca aberta (ficando por instantes silencioso) e só depois produz um som, finalmente. Tal comportamento indica, claramente, a existência de uma tentativa concreta de imitação. Aos 0;2 (25), faço aaa: longo esforço impotente, a boca aberta, depois um som tênue. Por fim, um largo sorriso e imitação regular. Em resumo, a partir de 0;1 (4), houve em T. uma espécie de contágio vocal, que se prolongou numa excitação mútua global; depois, aos 0;2 (17) e 0;2 (25), num esforço de imitação diferenciada. Mas, daí até o fim da fase, essa imitação diferenciada não se desenvolveu: subsistiu apenas a imitação mútua e, esporadicamente, apresentou-se uma tentativa de reprodução de tal ou tal som particular, emitido espontaneamente um pouco antes da experiência. Obs. 3 – Em J., o contágio vocal parece só ter começado durante a segunda metade do segundo mês. Ao 0;1 (20) e 0;1 (27), por exemplo, assinalo alguns surtos vocais em reação à voz materna. Aos 0;2 (3), ela responde uma vintena de vezes nas mesmas circunstâncias, com parada entre duas vocalizações; e, aos 0;2 (4), reproduz certos sons que emitiu espontaneamente um pouco antes. Depois, ainda mais do que no caso de T., produziu-se uma espécie de período de latência, durante o qual J. continua apresentando contágio verbal e, por vezes, imitação mútua, mas sem esforço de imitação de sons particulares. Ainda aos 0;5 (5), registro que J. reage à voz sem imitar o som especializado que ouviu. Aos 0;5 (12), J. está calada há bastante tempo quando eu faço rrrá duas ou três vezes; ela olha atentamente para mim e, depois, começa palrando bruscamente, sem imitar o próprio som. A mesma observação aos 0;6 (0), 0;6 (6), 0;6 (16) etc. Aos 0;6 (25), pelo contrário, tem início uma fase de imitação muito mais sistemática que caracteriza a terceira fase (J. está atrasada em relação a seu irmão e à sua irmã. Ver N. I.). Obs. 4. – L. emite espontaneamente o som rrrá a partir de 0;1 (21), mas não reage tão logo eu o reproduzo. Ao 0;1 (24), pelo contrário, quando faço aa, de um modo prolongado, ela emite duas vezes um som análogo, se bem que estivesse calada há mais de um quarto de hora. Ao 0;1 (25), olha para mim quando faço á, aaa, aaa, rra etc. Observo alguns movimentos de sua boca, não de sucção, mas de vocalização. Consegue emitir uma ou duas vezes sons bastante vagos, sem imitação propriamente dita mas com contágio vocal evidente. Ao 0;1 (26), quando faço rrrá, ela responde com uma espécie de rrr rolados: oito provas positivas contra três negativas. J. nada diz durante os intervalos. – A mesma observação no dia seguinte, aos 0;2 (2) etc. Aos 0;3 (5), observo uma diferenciação no seu riso, sob a forma de certos sons baixos e redondos. Imito-os: ela responde reproduzindo-os com bastante nitidez, mas o fato não se produz quando ela não os emitiu imediatamente antes. Aos 0;3 (24), ela imita aaa e, vagamente, arrr, nas mesmas circunstâncias, isto é, quando existe uma imitação mútua. Nada de novo até por volta de 0;5.